Não sou teu amigo

Porque é que raio pensas que sou teu amigo?

Eu ajudo-te o que posso, não o que queres.
Eu dou-te o que quero, não o que precisas.

Podes ter fé em mim, mas nunca confiança.
Dizes que te ajudei melhor e mais vezes do que qualquer outra pessoa, mas se o fiz foi porque quis, não porque te prefira ou porque espere alguma coisa em troca.

Não conto contigo e espero que faças o mesmo comigo.

Também espero que não hesites em recorrer a mim sempre que precises do que quer que seja, mas também deves saber que te recuso sem hesitação ou culpa.
E também não penses que só porque te ajudei dez vezes no passado, isso quer dizer que o farei de novo no futuro.
Se eu te disser que sim, tens-me até ao fim,
mas não contes com isso.

Não fiques triste pela desilusão,
se não contares com nada
tudo o que vier é bom.

Set 2007
Adão Demo
(editado por Ti)

Carris

Saltei do comboio!
Esse onde seguem todos excepto os que saltaram comigo.

Ainda o consigo ver no horizonte
e sei que se aligeirar o passo ainda o consigo alcançar

Podia voltar ao comboio e ser de novo o seu rei
mas, se calhar, deixava de ter valor para mim próprio
e assim não me conseguiria suportar.

Tenho um horizonte imenso à minha frente,
mas menos força para o palmilhar
do que a que tinha nas outras vezes em que saltei dos outros comboios

Tenho mais sabedoria, mas menos coragem
tenho mais idade, mas também estou mais velho

Estou naquela altura da viagem em que tivera eu vontade
e podia ultrapassar qualquer comboio,
ou até construir o meu próprio comboio
e levar quem quisesse vir comigo.
Tenho a sabedoria e arrogância,
mas falta-me a vontade, só isso!

E apesar de saber que as pernas têm força e velocidade
não consigo convencê-las a correr
e mesmo sabendo por onde é que tenho que ir
não consigo começar o caminho

Por isso é que ainda aqui estou,
atirado ao chão por mim mesmo
sem conseguir ir em nenhuma direcção

mesmo sabendo
que os abutres começam a acercar-se
e que o único modo que há de não acertar
é ficando parado,
à espera

bastava mexer-me,
bastava tentar,
já saltei do comboio
e para isso foi preciso coragem (ou medo)

mas não serve de nada
se agora ficar
em vez de prosseguir

o medo de seguir pelo caminho errado
parece impedir-me de andar

e logo eu que sei tão bem
que o único modo de acertar
é seguindo um caminho
para quando se chegar ao final
descobrir se acaba ali
ou se retomamos a caminhada
por não ser o caminho certo.

Seguir pelo caminho errado está certo
parar é que é pecado.

E eu…

estou parado.
.

Ti
Abr 2006

Ó Deus!

Mais uma vez vou dar-Te uma oportunidade para acabares com o mundo. Aproveita agora, porque não estou para aturar isto de o mundo acabar e depois não acabar, e depois acabar outra vez… Vê lá se Te decides, porque esta é a última oportunidade que Te dou.

Se queres um conselho, dá cabo disto de uma vez por todas, não andes é para aí a enrolar o pessoal com umas erupções vulcânicas e uns tremores de terra, que só servem para assustar! Trata mas é de fazer alguma coisa de categórico, alguma coisa com força, alguma coisa realmente importante.

Eu sei que isso não é bem o teu tipo, gostas de fazer as coisas devagar, com cabeça, tronco e membros, mas às vezes perde-se tanto tempo a fazer a uma das partes que se acaba por não ter tempo para fazer o resto.

Claro que podes dizer que o tempo para Ti não é problema, mas se calhar o Teu problema é exactamente esse. Toda a gente sabe que o que importa na vida é a procura, e que quando encontramos o que procuramos, arranjamos logo mais qualquer coisa para procurar. Não sei se isso se aplica literalmente a Ti, primeiro porque tu não vives – para haver vida é preciso haver morte – e depois, Tu também és omnisciente, o que faz com que saibas perfeitamente o que é que vou escrever dois parágrafos abaixo, mas isso que não quer dizer que me possas impedir de o fazer!

Podes considerar isto um ultimato. Se não aproveitares agora podes nunca mais ter outra chance, porque eu estou a aprender e não tarda nada fico a saber como destruir-te e aí quero ver como é que uns trovõezitos de raiva te vão safar…

Estás avisado!

Tu sabes quem.

Ti.         
Jul.2008

Escuro

desde que és que sempre foste a mulher da minha vida,
a minha vida é que nem sempre é minha
às vezes deixo-a escapar-se-me por entre os dedos

já comecei a carta para ti uma dúzia de vezes,
mas nunca consegui escrever alguma coisa realmente importante

É difícil dizer qualquer coisa, quando não se tem a certeza de existir
e é difícil sentir qualquer coisa, quando não se existe
não sei se existo

os sentimentos não se devem sobrepor à razão,
a razão não deve subjugar os sentimentos

a única coisa que importa é o que sinto por ti
e eu não tenho sentimentos

eu penso que gosto de ti,
mas isso não se pensa,
sente-se.

Sentes?
O dia está escuro,

como o mundo

ou será só o meu?

Ti.         
Fev.2008

Tu e eu

Isso tem algum jeito? – perguntou ela com aquele meio sorriso nos lábios que ainda hoje não me deixa dormir, nas noites em que dele me lembro.

Pensei para mim próprio que sim, que tu valias muito mais, que valias a vida em si própria, que te amava…

O que eu disse foi:

– Claro! Não que tu mereças, mas pronto!

Respondeste:

– Não mereço? É… – enquanto me fazias cócegas que se confundiam com beijos, numa daquelas comunhões que aconteceram muitas vezes intercaladas por…

Dez minutos depois disseste-me pela primeira vez:

– Amo-te.

Fingi não ouvir e perguntei:

– O quê?

Olhaste-me no fundo da alma pelos olhos, e depois de fazeres um sorriso dos que só tu sabes fazer e que vão ficar para sempre marcados nas entranhas da memória, repetiste com brilho nos olhos lindos, lindos:

– Amo-te!

Fiquei enorme, maior que tudo, mas mesmo assim pequeno para o coração a querer estoirar de felicidade. Apertei-te nos braços com força, Puseste a língua de fora, a mostrar que sufocavas, afastei-me de ti o suficiente para te olhar nos olhos e beijei o teu sorriso.

Ti.         
Dez.2005

O Eclipse

Olá, boa noite!
Dia estranho hoje, abafado, quente, agoirento! Lá estou eu a preocupar-me com coisas sem importância nenhuma, ainda por cima quando só restam parcas horas ao mundo e mais importante do que isso… a mim!

Os especialistas dizem que o eclipse é só mais um, que já houve uma data deles e que o mundo não acabou em nenhum, por isso também não era desta.

Pelo sim pelo não resolvi vir para o meu sítio favorito – o cimo desta pedra, que simboliza não-sei-o-quê-e-nem-quero-saber-até-porque-o-mundo-está-a-acabar-e-eu-tenho-mais-em-que-pensar!

Enfim, nem eu sei porque é que este é o meu local favorito, mas o que é facto é que sempre que preciso de pensar ou estar sozinho, dou comigo no cimo deste penedo a olhar para o céu, o mesmo céu para que olha o padre da minha freguesia, completamente impávido e sereno tentando convencer-se que essas coisas de o mundo acabar são “crendices” do povo, o mesmo céu para que olha a outra metade do meu coração na outra metade do mundo, o mesmo céu que viu nascer o mundo, os homens, a evolução, a revolução, a poluição, a constituição, a colonização, o mesmo céu que fez nevar no dia um (desde que se conta), o mesmo céu que me viu nascer atónito, o mesmo céu que hoje nos vai desabar em cima!

É a olhar para ele que penso em ti!

É à medida que ele se aproxima que eu te amo mais!

Vai ser quando ele me esmagar contra a terra quente e fofa, que me vou arrepender de tudo o que não te disse, dos beijos que não te dei, de todos os minutos que perdi a pensar como é que podia estar contigo, em vez de estar simplesmente. Vai ser aí que vai doer todo este tempo sem te ter – não por não querer, mas por não saber e ter medo de descobrir!

Bom, mas não falemos de coisas tristes, porque o saldo até é positivo, por isso é que parto com tristeza, porque se fosse negativo, com certeza não me importava de partir!

Vou levar recordações lindas imensas:

O teu sorriso – a maneira com ris com os olhos semicerrados, valia a pena a vida só para ver o sorriso dos teus olhos, sem côr na minha memória por não conseguir vê-los todos nas imensas escassas horas que passei a olhá-los.

Estou a ficar sem tempo e ainda não consegui dizer que és o que de mais importante há na minha vida!

Está a ficar frio… muito frio!

Estou leve… muito leve… 

Ti.
Dez.2005

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