Amor

Amor é mais que isto
que temos ambos em comum,
é mais que ofegar e rebentar com o peito
é mais do que tudo o que acho que é.
Amor é mais do que acabar a tristeza de estar sós
por estarmos juntos,
é mais que encher o vazio
um do outro,
um com o outro.
Amor é mais do que olhares cúmplices
ou o encaixar perfeito de um abraço
talvez sejam criancices,
mas amor não é só caminhar e dar o braço.
Não basta gostarmos quando estamos
e termos saudades quando faltamos
Não chega querermo-nos
quando não temos
e sofrer, sofrer, sofrer
sofrer a solidão
Amor é nada disso importar
Amor é dar, dar, dar…
Amor não tem nada que saber,
é só amar, amar, amar
Amor não é porque está certo, ou sequer porque é bom.
Amor é porque tem que ser
Amor!
O Amor que te quero dar
sei que não tenho, mas não se existe.
Tenho em mim que sou mais do que isto
e mesmo todo, tudo!
Não chega,
não porque peças, ou queiras
tal como o céu, também tu tens fim,
mas como a ele também a ti não sei alcançar

Ti         
Julho 2008

Primavera

Todo o amor que nos prendera,
Como se fora de cera,
Se quebrava e desfazia.
Ai funesta Primavera,
Quem me dera, quem nos dera,
Ter morrido nesse dia.

E condenaram-me a tanto,
Viver comigo meu pranto,
Viver, viver e sem ti.
Vivendo sem no entanto,
Eu me esquecer desse encanto,
Que nesse dia perdi.

Pão duro da solidão,
É somente o que nos dão,
O que nos dão a comer.
Que importa que o coração,
Diga que sim ou que não,
Se continua a viver.

Todo o amor que nos prendera,
Se quebrara e desfizera,
Em pavor se convertia.
Ninguém fale em Primavera,
Quem me dera, quem nos dera,
Ter morrido nesse dia.

David Mourão-Ferreira

Adão e Eva – José Régio

Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a carne lhe pedia.
– E cada um de nós sonhou que o achara…
E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
…Se deu, e se dará continuamente:
Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.
– O meu nome é Adão…
E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram,
Sobre um leito de terra, cinza e pó!
Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!
Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
– Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.
Assim toda te deste,
E assim todo me dei:
Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado…
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.
E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-me tudo!
…Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.
Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado.
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!
E assim Adão e Eva se conheceram:
Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe…
Eu os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade,
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce…
Depois…
Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
– Que Jeová não sabe perdoar!
O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada…
Continuámos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!
 
 
 
José RégioAdão e Eva

Por toda a minha vida

Eu sei que vou te amar
não consigo deixar de amar
é sempre assim,
depois de começar
a amor nunca mais tem fim
Por toda a minha vida eu vou te amar
e quando para ti eu for só
um resquício de memória
limpo com um trapo do pó
sem sequer ter história
Em cada despedida eu vou-te amar
e vão ser tantas, tantas!
quando perceberes que não me queres
as vezes serão quantas?
que me partirás o coração quando fores
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
e por mais que fuja
não vou conseguir
limpar a minha alma suja
de tanto te perseguir
E cada verso meu será para te dizer
que eu sei que vou te amar
por mais voltas que dê
encontro-me sempre aqui
onde tudo o que se vê
foi feito para ti
Por toda minha vida
para sempre, sempre, sempre
estás entranhada na minha pele
mesmo que não me lembre
o meu coração tem-te nele
Eu sei que vou chorar
como uma fonte
carpir até ficar seco como papel
vazio, deixado num monte
vagando ao vento como fel
A cada ausência tua eu vou chorar
e como faltas… quando faltas…
fica tudo vazio, como que sugado
até para as árvores mais altas
não há Sol, está tapado
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
e levar as nuvens, a tristeza,
a saudade e a desalegria
fica só o bom, a leveza
e fica o teu nome Maria
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
e para sempre vou querer
mas nunca me vais dar-te
ainda assim nunca vou aprender
a não ficar vazio quando o teu ser parte
Por toda minha vida
toda a minha vida…
toda a vida…
a vida..
vi…

Ti (Vinícius)
Outubro 2006

Capitão Romance

Não vou procurar quem espero
Se o que eu quero é navegar
Pelo tamanho das ondas
Conto não voltar.

Parto rumo à primavera
Que em meu fundo se escondeu
Esqueço tudo do que eu sou capaz
Hoje o mar sou eu…

Esperam-me ondas que persistem
Nunca param de bater
Esperam-me homens que desistem
Antes de morrer

Por querer mais do que a vida
Sou a sombra do que eu sou
E ao fim não toquei em nada
Do que em mim tocou

Eu vi,
Mas não agarrei…

Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir

Dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir em paz.

Eu vi,
Mas não agarrei…

“Capitão Romance” – Ornatos Violeta.

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