Coiz

O nome das coisas diz delas pouca coisa,
às vezes diz mesmo coisa nenhuma
ou até contrário ao que se pretendia dizer da coisa.

Aquele queria dizer coisas que importassem, mas como nada lhe importa é difícil que algo de importante saia de tamanho vazio. O tamanho do projecto do que tem para dizer é adimensional de tão desmesuradamente grande! São palavras de tal modo belas que não é possível dizê-las. São ideias tão perfeitas que lhe é impossível pensá-las. Por isso é que o maior de todos e de sempre; que seria ele; ficará apenas como normalíssimo e inconsequente. em vez de um Deus, será gente, ou até – por causa da desilusão – gentinha!

É culpa do que é, e tudo tem a culpa que tem. Uns têm mais do que deviam, mas ainda assim não a têm toda.
Não é possível alguém ser determinante sem que outros deixem ser. Por mais genial que seja o génio, ele não existe sem outros que o notem.
Posso comprovar aquela teoria de que as árvores quando caem e ninguém as ouve, não fazem barulho. Eu já estive algumas vezes longe do sítio onde árvores caíram e não ouvi nada. E não são válidas alegações de fraco ouvido, porque fiz um exame e estava tudo bem – audição a 100%!

Ah! quem lhe dera qualquer coisa…
mas nada…
de nada

O ritmo é muito importante para quem vive – para os que não vivem, é indiferente -. Isto pode ser lido ao contrário e daí concluir-se que os que negligenciam o ritmo estão mortos, mas isso seria uma extrapolação exagerada e apenas provida de  lógica semântica para ter credibilidade! e de qualquer maneira isto não vem nada a propósito. a não ser que o leitor decida divagar acerca das peculiaridades rítmicas deste texto, no preciso momento em que escrevo sobre o mesmo. isso seria espectacular, mas também improvável… É bem mais crível que repare nelas (nas peculiaridades) apenas depois de ler isto.
A melodia também não é menos importante. mesmo num texto em que o nexo é desconexo podemos tirar prazer de o ler. às vezes porque rima, às vezes porque anima, às vezes porque se esquece, às vezes porque aquece.

Estava farta de se ouvir – aquela voz fininha associada a ideias parvas em catadupa, tornavam-na insuportável para si mesma. queria poder pegar na boca e colocá-la ligeiramente acima do tornozelo, onde as vibrações das cordas vocais não chegariam aos ouvidos, ou então poria os ouvido colados às ancas, mas o roçar das calças seria provavelmente incómodo e igualmente barulhento. a verdade é que estava farta de si, a relação já não era como dantes, em que saíam juntas e faziam amor com homens bonitos. agora o seu marido era um velho com ar de navio a naufragar e, a maior parte das vezes, nem sequer fazia sexo com ele – limitava-se a mandar-se para isso, enquanto esperava por si numa espécie de hipnose. quando acabava, trocava de cuecas, pegava em si e ia fazer compras ou qualquer coisa que lhe tirasse dali o pensamento. ele, o pensamento, às vezes concluía que quem faz sexo com quem não gosta é uma puta. isso ofendia-a e por isso recusava-se a ouvi-lo. punha-lhe uma espécia de moradaça e ficava a ouvi-lo gritar por trás do tafulho de pano, quase inaudível, mas sempre presente.

uma prostituta velha olha o rapazote da montra. avalia se o quer comprar. tem cara de desprezo e os dentes podres fazem-no pensar que se calhar é melhor que não o queira. Não quis. foi embora deixando uma baforada de podridão que lhe saíu em fumo pelo entremeio dos lábios malpintados de vermelho vivo. Foda-se! Nem aquele destroço me quis! pensou o rapaz quando se sentiu desprezado pelo desprezo personificado. já se imaginava dali a a muitos anos a resmungar com toda a gente, amargo e insuportável.

o nhe-nhe-nhe dos velhos é irritante, especialmente para este velho que está farto de se ouvir a nhe-nhe-nhar. as mãos só conseguem estar quedas se forem obrigadas a isso, mas de quando em vez leva-as a passear e elas desatam aos saltos de felicidade. acha-se tão ridículo que desata a gargalhar e engasga-se no próprio cuspo (como se diz na terra dele) depois vai prós cuidados intensivos só porque deu uma gargalhada e quase morreu sufocado! recupera, vai para casa e passado ano e meio leva um tiro do marido da vizinha porque a ouviu aos gritos e decidiu lá ir perguntar o que se passa…
Passa-se ele!
fica possuído de raiva! passou mais de noventa anos a fintar a morte, esteve na segunda grande guerra, na guerra civil espanhola, no ultramar. levou mais de uma dúzia de tiros e mais do dobro de estilhaços, até chegou a servir de escudo humano para salvar a vida a um bispo. de todas as vezes recuperou, sempre com mazelas e, quando foi lá abaixo perguntar se os gritos eram de socorro, levou um tiro no meio da testa disparado pela mão sebenta de um marido bêbado e arrependido no mesmo segundo! chegou ao sítio onde se chega quando se morre e quis voltar para dar um enxerto de porrada àquele filho-de-uma-vaca-parideira, mas não o deixaram. gritou tão alto que provocou inveja nos tenores que lá estavam. ainda por cima ali, onde era suposta não existir inveja! mas também não deviam haver gritos! Um velho de barbas e pele avermelhada que também lá estava, com um tridente na mão, irritou-se com a gritaria e com a inveja e com sabe-se-lá-mais-o-quê e bateu com o pé no chão provocando um estrondo como o de um trovão. silenciou-se tudo e voltou-se à paz costumeira.

o rais-parta-isto veio finalmente. o indivíduo que levou com ele ficou enojado, não teve dor nenhuma, apenas uma sensação enorme de nojo. aquele cheiro a pêlo-de-porco-queimado era avassalador, enchia-lhe todos os sentidos de uma enorme náusea.
Enquanto os sentidos se desligavam teve ainda tempo para pensar o quão inoportuno era levar com um relâmpago na véspera de Natal!

o homem de vermelho que conduzia as renas a uma velocidade muito acima do recomendável, viu aquela cena e não pode deixar de pensar que seria muito mais grave se aquele raio lhe tivesse acertado… felizmente ele tem uma espécie de protecção, apesar de começar a desconfiar que se calhar não estão relâmpagos incluídos. É já a segunda rena que desmaia por causa da onda de electricidade.  O seu veículo anda a magia, e por muito forte que seja a energia, a magia ser-lhe-á sempre superior … pelo menos prefere acreditar nisso.

acreditar não tem que ter essência. Se tiver talvez até nem seja acreditar, talvez seja só constatar, ou ver. mas se fôr só acreditar, sem razão, então também não é. É fé. Acreditar não precisa de construção, mas tem que ter base.

o pedreiro estava farto daquele trabalho. a vida toda fizera alicerces. Quando o tentavam animar com a importância da sustentação que o seu trabalho dava para o dos outros, só pensavaque nem sequer chegava à base das construções, ele acaba onde começa o que se vê. Uma vez tinha lido uma teoria acerca do que se vê – dizia que o que não se vê não existe. desde pequeno que ele sabia que a sua sombra tinha formas diferentes quando ele estava de costas e por mais do que uma vez quase conseguiu apanhá-la a voltar à forma com que se mostrava habitualmente – uma espécia de projeção d’ele próprio. Ninguém acreditava nele e portanto, como ninguém via o que ele sabia existir, nunca conseguiu mostrar a ninguém coisas que ninguém poderia nunca ver, por isso elas não existiam. Isso era a mais profunda prova de que ele estava certo.

opaco não é o contrário de transparente, o contrário de transparente é o próprio, mas o contrário de próprio é um chinês de carapinha loira. Opaco é talvez o mesmo que o breu absoluto. Não é não. Opaco é, e o absoluto é sempre uma coisa relativa.

um puto decidiu espreitar por baixo da chaminé, preparada para ser acesa. Apenas viu negritude; treparia, que se lixe, a mãe bater-lhe-ia, por sujar a roupa toda, mas é Natal!
A mãe não lhe bateu, deixou que trepasse um pouco e chamuscou-lhe o rabo! O miúdo vexado por toda a família o ver de rabo-ao-léu, redimiu-se. A mãe pensara que a lição fora perfeita, especialmente depois de ele ter passado o resto da tarde a ajudá-la com as rabanadas, o perú e até a pôr-a-mesa. Durante algumas horas a mãe julgou-se excelente, pelo menos até provar o perú, que estava recheado com pedaços de cortiça e serrim e as maravilhosas rabanadas estavam completamente polvilhadas com sal fino, mas a estocada final foi quando o ia repreender e levou com um balde de leite, que estava cuidadosamente colocado em cima da porta do quarto que o puto partilhava com o irmão. enquanto fugia aos saltos por cima da mãe desolada no chão teve ainda tempo para soprar uma mão-cheia de açúcar em pó enquanto no seu melhor sorriso gritava Feliz Natal! O irmão – muito mais velho – arrancou-o do chão e, a correr entre gargalhadas, anunciou para os tios, avós, padrinhois, primos que ia levar o miúdo a arejar! Por agora estava safo, mas iria ter que regressar.

O que importa é o momento. Já passou e passará outro, este é que não. Que não se desperdiçe tempo, porque gastá-lo é inevitável, principalmente a pensar no que foi. Importa o que virá e…

o Amor!

Só isso importa

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