vida toda

O Sol que passa na frincha da janela já não me acaricia como dantes, agora queima como brasa em pele tenra.
A mão que dorme pousada no meu peito, não é quente e confortável,
é pesada e incómoda e não é a tua.
Com tanta gente no mundo a quem amar, porquê amar-te a ti?

Naqueles escassos minutos em que já é dia, mas ainda não há Sol, às vezes desperto contigo, mas depois o Sol mostra-me que o cabelo doirado deitado a meu lado não é o teu. E a perna que se entrelaça em mim não é a tua.

Saio outra vez sem adeus, mas com mais culpa. Faço mais uma viúva de sonhos e carrego a culpa. Depois não me suporto e volto a procurar-te. Encontro-te em olhos ternos, em silêncios doces, em abraços sentidos. Sempre aos bocadinhos, nunca inteira, entre mantas foscas ou névoas densas. Aceito o teu abraço – que não vem de ti – com a alegria triste de quem sabe que se está a enganar.

Quando te sinto já nada é triste; só existimos nós, mas já nem isso existe. Somos tu os dois, ou eu, não sei. Por alguns momentos não há pensamento, nem conceitos, nem memória, somos Tudo e isso não sei explicar. Depois percebo que não és tu; Que te estou a trair por não seres tu, quem não pode ser mais ninguém. Bato-me por te ter traído. -A ti – O amor da minha vida.

O abraço, o beijo e o acordar a teu lado vão-se afastando enquanto caminho para longe, tão longe que já nada me é familiar. Aí, onde nada me pertence, renasço e volto a viver por algum tempo, até recomeçar a sorrir-me a rapariga da padaria ou a parar-me o coração com o trautear de uma canção que fala de nós.

Volto a pensar que és possível e sou de novo o príncipe encantado. Ficas feliz e eu não caibo em mim. Mas vindo do nada, o cheiro do teu perfume toca-me ao de leve e quando olho para a mão que seguro na minha fico horrorizado por descobrir que não é tua. Fico em pânico como se me morresse tudo.

Solto a mão, olho nos olhos que afinal não são teus, peço-lhes que me perdoem, sem dizer palavra
e corro.
Corro, corro, corro às vezes dias inteiros, depois esgoto-me e durmo finalmente sem culpa, por não ter forças para mais.

Passa assim o miolo da vida, sempre na mesma repetição de esperança, engano e desilusão, num ciclo interminável; e eis que me encontro no ocaso, velho e derrotado.

Agora, quando aprendi a doer devagarinho, sem desespero, mas sem esperança, sem morte , mas sem vida. Agora, quando os netos de outros da minha idade me olham curiosos, agora que só espero sem vontades.
Hoje, encontro-te na cidade de onde nunca saí, a mesma a que nunca voltaste….
até hoje.

 

parte do texto “Vida toda e reencontro” – Maio de 2009

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