Guarda prisional

Cometi alguns erros quando era novo. Não estudei o que devia e quando acordei já era tarde e tinha que trabalhar.
O meu pai sempre foi muito claro:
– Estudas até quando quiseres, mas se reprovares vais trabalhar.
Foi o que fiz. Sempre fui bom aluno – nunca o melhor, mas sempre dos bons – excepto a Meio-Físico e Social, aí era mesmo o melhor e cheguei até a tirar dois dezanoves e um dezanove e meio que a minha mãe manteve colado ao vidro do hall de entrada durante todo o ano!
Tive uns grandes pais. Minha mãe era a mais atenciosa do mundo e meu pai era exactamente o que eu gostaria de ser: forte, disciplinado e justo. É verdade que não era dado a grandes afetos, mas quando me dizia: – Bom trabalho rapaz. – Fazia-me sentir o maior do mundo.

Por volta dos meus 16 anos começaram a aparecer pela Vila alguns rapazes com motorizadas. Fiquei fascinado e, por mais ridículo que agora me pareça, foi por causa das motorizadas que decidi deixar de estudar, para ganhar dinheiro para comprar uma Yamaha DT.
Minha mãe tentou demover-me, sem sucesso e meu pai, como sempre, não me contrariou; impôs condições: eu teria um ano para arranjar o meu próprio sustento e sair de casa. Assim fiz.
Meu pai morreu 17 meses depois de eu sair de casa e minha mãe seguiu-se-lhe meio-ano depois.

Andei tresmalhado por meia-dúzia de anos – sempre de capacete debaixo do braço – e não sei por que vias travessas vim parar à Policia Prisional.

É engraçado como é que um rapaz do campo acaba por vir parar a uma prisão de paredes de betão. Acho que a minha pena é demasiado alta, ninguém merece estar confinado a estas paredes por tanto tempo. Se calhar é porque continuo solteiro, e já não vou para novo. A partir dos quarenta começam-nos a achar demasiado velhos e é dificil arranjar com quem ver o pôr-do-Sol.

Um guarda prisional devia ter autoridade, estabilidade e sentir-se orgulhoso da sua profissão, mas o que vejo na maior parte dos meus colegas é vergonha. Quase todos têm problemas de dinheiro e assim torna-se mais fácil suborná-los. Eu sei que pelas costas me chamam nomes feios porque nunca entrei em nenhum desses esquemas, mas com o passar dos anos aprenderam a sair do meu caminho e em troca eu saio do deles. O problema deste ambiente é que eu, e quase todos os meus colegas, estamos mais presos do que os próprios reclusos. Temos horários rígidos a cumprir e a rotina é tão grande que é dificil manter a sanidade. A maior parte dos guardas faz muitas horas-extra, porque quase todos são de outras partes do país e não têm tempo para ir à sua terra nas folgas. Eu também trabalho cerca de 12 horas diárias, mas como o trabalho é sempre igual, torna-se fácil e posso ler muito.

Um dia ainda vou escrever ao Presidente da República para lhe dizer acerca de uma ideia que ando a magicar à anos:
Criar uma prisão ao ar livre, numa daquelas terras do Alentejo que estejam para lá ao abandono, onde cada recluso pudesse ter um bocado de terra, por mais pequeno que fosse, pelo qual fosse responsável e do qual podia fazer algum lucro, que até poderia ser sujeito a um aluguer. Acho que era uma forma de reabilitar as terras e ao mesmo tempo os reclusos. Claro que há sempre aqueles que não querem isto – tudo bem, inicialmente fazia-se uma coisa apenas para voluntários e depois, com o sucesso que teria de certeza que ia haver mais inscrições do que vagas.

Está decidido, um dia destes mando-lhe mesmo uma carta. Até vou começar a escrever já…

30-10-2010

2 opiniões sobre “Guarda prisional”

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